Fé e vida na busca do Bem Viver
Essa visão está em sintonia com a história da salvação contida na Bíblia. Nela encontramos relatos de vários chamados de Deus, nas mais variadas circunstâncias para desempenhar missões específicas, conforme as necessidades. Chama Abraão, o pai na fé, e com ele faz uma aliança, prometendo-lhe uma numerosa descendência e uma terra (cf. Gn 12). Chama Moisés e Arão para libertar o povo de Israel da escravidão do Egito e conduzi-lo à Terra Prometida (cf. Ex 3, 6). Chama patriarcas, profetas, mensageiros, reis... Chama Gedeão, Samuel (cf. 1Sm 30), Davi (cf 2Sm, 2), Isaías (cf. Is 6), Jeremias (Jr 3, 4), Ezequiel (cf. Ez 1), Oseias (cf. Os 2), Amós (cf. Am 3), Jonas (cf. Jn 3), Zacarias (cf. Lc 1, 5) Ana, Isabel e Maria, a Mãe do Messias, Jesus de Nazaré (cf. Lc 1, 26-38). Para os cristãos, Maria é a virgem fiel. Cantou a libertação de Deus amor-compaixão: "Porque a seu povo visitou e libertou... derrubou os poderosos de seus tronos e os humildes exaltou".
Jesus anunciou a Boa Nova do Reino e sofreu as consequências da sua fidelidade ao plano de Deus Criador. Julgado e condenado como prisioneiro político fez o dom de si na cruz e ressuscitou para reafirmar a vitória da vida sobre as forças da morte. Seu gesto profético inspirou muitos homens e mulheres a assumiram o mesmo compromisso de conjugar fé e vida na edificação do Reino.
Graças a essa coragem, ao longo dos séculos, as comunidades cristãs florescem e se multiplicam. Hoje, Deus continua chamando, dentro e fora das igrejas, no mundo e na sociedade, nas mais diversas situações e culturas, para a Missão de cuidar da vida no Planeta. Temos vocações de toda a sorte, ligadas ou não às igrejas, ordenadas ou leigas. Elas surgem como apóstolos e discípulos, pastores, profetas, profetisas, mensageiros, mártires da caminhada que não deixam cair a profecia e a esperança. Alguns já tombaram na fidelidade ou dormiram o sono da eternidade: Romero, Hélder, Adelaide Molinari, Cleusa, Sepé, Zumbi, Chicão, Marçal, Galdino, Dulce, Teresa, Margarida Alves, Luciano, Ezequiel, João Burnier, Josimo, José Comblin, Zilda, Maria, Nativo, Santo Dias, Frei Tito, Chico Mendes, Dorothy... Outros ainda seguem na luta e a lista é longa... Desde o ano 2000, à exemplo dos Interecleiais das CEBs, os encontros Nacionais de Fé e Política reúnem, em média, cerca de 4.000 pessoas dos diversos grupos espalhados pelo Brasil.
Eles e elas não estão sozinhos, existem muitas outras lideranças que não aparecem nos holofotes, mas brilham aos olhos de Deus que vê o que o mundo não quer enxergar. São consagrados e ordenados, pastores, líderes e coordenadores de movimentos sociais, sindicatos, cooperativas, entidades e grupos vários; quilombolas, lavradores, pescadores, ribeirinhos, indígenas, afros, operários, populares, acadêmicos, mulheres e homens, idosos, adultos, jovens, adolescentes e crianças. O sonho de Deus segue vivo e atuante no "Sim", que somos capazes de dizer na Missão de conjugar fé e política para organizar a sociedade como queremos.
Em tempos difíceis onde a ditadura do mercado atropela a vida, resistir é preciso para, como bem nos lembra Pedro Casaldáliga, "não deixar cair a profecia" ou perder a esperança. Não dá mais para nos conformarmos com os esquemas deste mundo capitalista e neoliberal que tem como motor o mercado de consumo e especulação. Na fé e na política, a nossa Missão é envolver-nos. Quem tem fé no Deus da Vida não consegue ficar somente incensando tronos e altares nas pomposas liturgias seguindo regras rígidas da sacristia e pretendendo que não tem nada a ver com o que está acontecendo ao seu redor. A fé se fortalece na medida em que se torna vida na busca do Bem Viver colaborando, com a construção do Reino de Deus, aqui e agora, na perspectiva do Reino Definitivo.
* Jaime Carlos Patias, imc, é diretor da revista Missões. www.revistamissoes.org.br